O país vai envelhecer e perder habitantes, independentemente de todas as medidas que se possam adoptar para contrariar o fenómeno.
Assim, o melhor é começar já a pensar em diferentes formas de organização social, sugerem vários demógrafos ouvidos pelo PÚBLICO a propósito das mais recentes projecções da ONU que apontam para um Portugal reduzido a 6,7 milhões de habitantes em 2100. Menos quatro milhões do que os actuais 10,6 milhões.
Pelo menos no tocante ao envelhecimento, a fecundidade e a imigração o melhor que podem fazer é abrandar ligeiramente o ritmo de um processo "inelutável", segundo Maria João Valente Rosa. "Pensar que o envelhecimento pode ser evitado é uma ilusão", avisa a demógrafa, para quem, mais do que verificar a iminente falência de um modelo pensado para uma população com uma estrutura etária jovem, o país já devia estar a pensar em alternativas. "As barreiras que existem baseadas na idade e que levam a que a primeira fase da vida seja dedicada à formação, a segunda - a chamada idade activa - a jornadas de trabalho muito intensas e a terceira à reforma e ao lazer estão totalmente desfasadas", diz. Soluções? "Por que não dedicar mais tempo da idade activa ao lazer, à formação e à família, até porque é nessas idades que os filhos são pequenos, compensando depois com um prolongamento do período de actividade até idades mais avançadas?", pergunta.
Nas projecções da ONU, o peso da população com 65 ou mais anos de idade duplica em 90 anos: dos actuais 17,9 para 30,6 idosos por jovem até 15 anos. Isto acreditando que, em média, cada mulher em idade fértil terá 1,99 filhos, em vez dos actuais 1,32. Mas o cenário pode piorar. Se a natalidade se mantiver no valor actual, o peso dos indivíduos com 65 ou mais anos sobe para 41,2 por cento.
Nestas projecções, que não contemplam o saldo migratório, a população portuguesa entra em declínio já a partir de 2015. Com um saldo natural que, em 2009, atingiu valores negativos e um saldo migratório a ameaçar entrar também no vermelho (há autores que asseguram que isso já aconteceu, apesar de essa realidade não surgir ainda espelhada nas estatísticas oficiais ), Jorge Malheiros, professor no Instituto de Geografia da Universidade de Lisboa, concorda que o país precisa de assumir que não conseguirá evitar o envelhecimento: "Vamos envelhecer inevitavelmente e é bom que metamos isso na cabeça", diz. Sem dramatismos. "É sinal que vamos viver mais tempo e o importante é que não andemos todos com Parkinson e Alzheimer mas que consigamos manter uma vida activa e produtiva". Não, não significa que as reformas devam ser adiadas até aos 75 anos, mesmo que, nas projecções, a esperança de vida ultrapasse os 87 anos em 2100 (90,4 anos no caso das mulheres). "A transição da vida activa para a inactiva não deve ser brusca. Pode haver um período de transição, em que as pessoas começam a trabalhar progressivamente menos, o que permite diminuir a dependência, quer para as finanças públicas, quer a nossa", sugere. Valente Rosa arrisca dizer que "o mais natural será as pessoas passarem a ter várias carreiras e actividades ao longo da vida".
Soberania enfraquecida
Mas, afinal, o que seria Portugal com 6,7 milhões de habitantes? Declínio populacional é o mesmo que declínio civilizacional? "Com 6,7 milhões, Portugal seria mais velho, mais cansado, menos inovador e isso seria sinónimo de menor dinâmica", prevê Malheiros. Para Mário Leston Bandeira, ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia, retroceder aos 6,7 milhões, valores próximos da população portuguesa em 1920, deixaria o país muito debilitado no contexto europeu. "Portugal ficaria sem capacidade de concorrência no plano económico, político e social, etc. A questão demográfica é, no fundo, uma questão política. Aliás, basta lembrar toda a discussão em torno do Tratado de Lisboa, quando a Polónia reclamou mais votos por causa do número de habitantes e a Alemanha também se quis impor porque era o país mais populoso da União Europeia", recorda. Na mesma projecção a 90 anos, em que a França cresce 18 milhões e em que a Espanha perde apenas um milhão, "Portugal veria enfraquecida a sua soberania", reforça Leston Bandeira, para quem "o défice democrático é mais grave do que o défice financeiro". Maria João Valente Rosa discorda. "Termos seis milhões não é nada aterrador. O número de habitantes de um país não é indicador de desenvolvimento e a prova disso são a Finlândia e a Dinamarca, com menos de seis milhões, e a Suécia e a Bélgica, com cerca de dez milhões".
Reforçar voluntariado
Há um aspecto em que os três especialistas estão de acordo. Só por meio da fecundidade e do saldo migratório se conseguirá abrandar o ritmo do declínio populacional. Abrandar, não travar. E pela via da atracção dos imigrantes, mais do que pelo reforço da fecundidade. "Mesmo que os níveis de fecundidade voltassem a aumentar para cima dos 2,1 filhos por mulher em idade fértil, isso não faria mais do que aligeirar o envelhecimento. E não é expectável que voltemos a esse cenário de descendências numerosas, porque entretanto houve uma franca modernização da sociedade portuguesa e os estilos de vida alteraram-se", descrê Maria João Valente Rosa. Não quer isto dizer que o país deva desistir de apostar na natalidade. Ao contrário. Até porque no cenário mais pessimista da ONU (em que a fecundidade desce até aos 0,86 filhos por mulher em idade fértil para depois recuperar ligeiramente e acabar o século nos 1,49) a população portuguesa fica reduzida a uns escasos 3,7 milhões. Assim, há que assegurar com carácter de urgência um apoio mais eficaz às famílias. "Em Lisboa é muito difícil encontrar uma creche que seja acessível a muitos pais porque as públicas estão cheias e as privadas são muito caras", critica Jorge Malheiros. Num cenário de crise económica e em que o desemprego ameaça atingir 13 por cento da população, "a aposta poderia passar por ter um serviço de voluntariado mais forte, em que os pais desempregados, em vez de pagarem a creche, seriam convidados a, acompanhados de um técnico, ajudar a assegurar a guarda das crianças para lá do horário normal", exemplifica ainda Malheiros.
Valorizar os emigrantes
Recentemente, um painel europeu sobre famílias demonstrava que as mulheres com um contrato de trabalho sem termo tinham "duas vezes mais possibilidades e probabilidades de ter um filho", segundo Leston Bandeira. Que conclui, por isso, que promover a natalidade "é incompatível com a flexibilização do despedimento e com a instabilidade no emprego". "Quem defende esse tipo de medidas está apenas a pensar naquilo que é mais imediato e, sobretudo, nos interesses de um certo patronato. E o futuro do país vai ser uma desgraça se não conseguirmos criar condições para que os jovens se possam estabelecer e criar uma família", vaticina, reclamando dos políticos "uma escala de prioridades que contemple a questão demográfica e a luta contra o envelhecimento".
Jorge Malheiros assume que as próximas duas décadas serão de emigração para os jovens portugueses. E que Portugal terá forçosamente que parar de fingir que não tem emigrantes. "Nos últimos anos houve uma relutância enorme em reconhecer que Portugal continuava a ter saídas de emigrantes. Agora, o país tem mesmo de deixar de encarar a emigração como um drama e garantir que a ligação destes emigrantes ao país se mantém, não só por via das remessas, mas proporcionando, por exemplo, que os emigrantes funcionem como pontas-de-lança entre as empresas e entre as universidades estrangeiras e as portuguesas: num mundo interdependente e globalizado, isto pode ter efeitos muito importantes". Do lado das entradas, resta a Portugal propagar a imagem de um país acolhedor. "Não é uma coisa de somenos", lembra Malheiros. "Quando os alemães quiseram, há uns anos, atrair técnicos da Índia, ofereciam programas interessantes. Mas não foram bem-sucedidos porque os indianos tinham a ideia de uma sociedade alemã muito xenófoba". Quanto a Portugal, é pouco provável que se repita o boom de imigração dos anos 1990. Ainda assim, lembra Maria João Valente Rosa, "os imigrantes podem continuar a ser a chave para aligeirar o processo de envelhecimento pelo seu duplo efeito: do reforço da população em idade activa, por um lado, e dos nascimentos, por outro".
Jornal PÚBLICO online 15/5/2011
Por Natália Faria
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